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Emma Griffin chama seu livro de “uma história popular da Revolução Industrial” e utiliza documentos da mesma natureza dos que E.P. Thompson utilizou em seu The Making of the English Working Class — um trabalho que ela explicitamente coloca como contraponto ao seu. Uma vez que a maior parte de meus comentários abaixo serão negativos, deixe-me começar com um elogio a Griffin pelo esforço acadêmico envolvido em sua imensa e sistemática leitura de fontes primárias e sua óbvia simpatia pelos trabalhadores.
Se o trabalho de Thompson primordialmente falava da experiência da classe trabalhadora durante a Revolução Industrial como transformação imposta pela sociedade inglesa de cima para baixo, Griffin fala da experiência positiva dos trabalhadores: “uma história inesperada em que os trabalhadores conseguiram atingir níveis mais altos de riqueza, liberdade e autonomia”. Ao mesmo tempo, ela tenta desacreditar a tese de que os ganhos da revolução industrial foram “comprados com o sangue, o suor e as lágrimas dos trabalhadores que experimentaram em primeira mão seus efeitos nefastos”.
Infelizmente, Griffin só consegue focar em tais aspectos porque negligencia aspectos fundamentais do contexto da época — das estruturas políticas de poder e de sua evolução histórica — que Thompson habilmente forneceu. Quando acrescentamos esse contexto, o “sangue, o suor e as lágrimas” dos antigos historiadores radicais retornam para se vingar.
A vida dos trabalhadores de fato melhorou durante a Revolução Industrial. Isso ocorreu, porém, não em um contexto de explosão da liberdade econômica em que Griffin parece crer, mas apesar da gigantesca intervenção estatal na economia — primeiro em favor dos capitalistas agrários e a seguir em benefício dos industrialistas — para facilitar a exploração do trabalho. A parte que não foi contada dessa história — cuja ausência é um sério problema do trabalho de Griffin — é o papel do estado na supressão daquilo que a Revolução Industrial poderia ter sido. Portanto, embora os trabalhadores de fato tenham experimentado ganhos líquidos, isso não muda o fato de que a Revolução Industrial efetivamente ocorreu às suas custas.
É igualmente fácil escrever uma história das experiências legítimas de melhora das condições de vida dos trabalhadores durante a industrialização dos anos 1930 até os anos 1960 na URSS. Porém, uma história que retratasse essa melhora ao mesmo tempo em que ignorasse a natureza essencialmente estatista, autoritária e exploratória do regime soviético — sem mesmo observar quais teriam sido as reais melhorias em um ambiente de genuína liberdade — seria seriamente deficiente.
Griffin, contudo, não apenas omite o contexto institucional e de poder, mas o faz de uma maneira que lembra a piada do livro cômico 1066 and All That sobre o Papa e seus bispos secedendo da Igreja Anglicana:
A certo ponto, o país parou de tentar produzir todos os seus bens de maneira artesanal e começou a queimar combustíveis fósseis para que as máquinas fizessem o trabalho. Durante esse processo, um grande número de famílias deixou o trabalho com a terra e se mudou para as vilas e cidades, assumindo empregos em fábricas, moinhos e minas.
Cercamentos
Como o advogado de Os Simpsons Lionel Hutz diria, esse é o melhor tipo de verdade — tecnicamente verdade! Um grande número de famílias realmente deixou a agricultura; e a história da decisão de “abandonar” a agricultura está escrita (com o perdão da referência) em letras de sangue e fogo. No período entre a metade do século 18 até o início do século 19 — quando a Revolução Industrial de fato ocorreu — os cercamentos aprovados pelo Parlamento resultaram no roubo de um quarto a um terço das terras aráveis dos camponeses da Inglaterra. Esse roubo se seguiu a um processo muito mais longo de expropriação — roubo, para ser mais claro — em que as terras comuns foram cercadas para o pastoreio de ovelhas. Ao longo dos séculos, os camponeses foram roubados de seus direitos consuetudinários à maior parte da terra da Inglaterra, transformados forçosamente em locatários, que tiveram que pagar aluguéis escorchantes ou seriam despejados. Tudo isso foi feito num contexto em que o estado era totalmente controlado, até a reforma eleitoral de 1867, pelo rei em conjunto com a aristocracia fundiária e a Igreja (dona de muitas terras) em uma das câmaras e a nobreza rural e a plutocracia mercantil na outra.
Por sinal, há uma vasta documentação dos comentários feitos pelos próprios fazendeiros capitalistas, no final do século 18, que pediam explicitamente pelos cercamentos porque os camponeses com acesso a pastos, bosques e terras não-cultiváveis comuns não poderiam ser forçados ao trabalho assalariado com tanto empenho, por tanto tempo ou a preços tão baixos quanto a elite gostaria. A Revolução Industrial ocorreu — e os empregadores industriais se beneficiaram amplamente — num ambiente em que a maioria da população de trabalhadores ingleses havia sido forçosamente roubada de seu acesso independente aos meios de subsistência e produção e haviam sido enxotados para o mercado de trabalho assalariado.
Portanto, é quase desonesto contrastar a melhora nos padrões de vida da Revolução Industrial com a pobreza cruel da economia anterior sem examinar os motivos que levavam à pobreza anterior ou a continuidade da estrutura de poder seguinte. Eu não acredito que Griffin chegue de fato ao ponto da desonestidade, porque ela parece operar a partir da premissa sincera — embora não examinada — de que a subordinação e a hirarquia são “naturais”. “Todos os relacionamentos são definidos por uma disparidade entre mestre e servo (…).” Griffin é genuinamente incapaz de imaginar um sistema econômico que não se baseie na dominação e na exploração.
A adoção da produção com o uso do motor a vapor poderia ter ocorrido em vários arranjos instituicionais. As instituições específicas adotadas durante a primeira Revolução Industrial refletem o fato de que um conjunto de interesses — que incluíam a consolidação do estado inglês, as indústrias de armamentos e minera~c”ao e os senhores de terras — foram as principais forças por trás daquilo que Lewis Mumford chamou de economia “paleotécnica” do carvão, vapor, ferro e Teares Satânicos das Trevas. O processo real foi uma revolução de cima para baixo, tão autoritária quanto a coletivização forçada por Stálin e o primeiro Plano Quinquenal — nele, nas palavras de J.L. e Barbara Hammond, a sociedade inglesa foi “despedaçada (…) e reconstruída da mesma forma que um ditador reconstroi um governo livre”.
A primeira Revolução Industrial ocorreu dentro de uma estrutura mais ampla de poder na qual o poder de negociação havia sido deslocado de quase todas as maneiras dos trabalhadores para os empregadores. Se os trabalhadores puderam deixar seus empregos e encontrar novas maneiras de ganhar a vida, como argumenta Griffin, eles o fizeram em uma situação onde o mercado de trabalho era muito mais favorável aos compradores do que ocorreria espontaneamente.
Como Franz Oppenheimer afirmou em seu Der Staat, a exploração econômica só se torna possível quando os empregadores não mais têm que competir com a alternativa do autoemprego. E todos os esforços do estado em conjunto com as classes empregadoras haviam sido direcionado para esse objetivo durante a Revolução Industrial.
Mesmo após a maior parte das expropriações de terra terem ocorrido, o estado continuou, ao longo da Revolução Industrial, a implementar medidas como um sistema interno de passaportes, como o soviético e sul-africano. Isso ocorreu com as Leis de Assentamento, que proibíam que os trabalhadores deixassem suas paróquias de nascimento para buscar trabalho sem a permissão das autoridades paroquiais designadas pelas Leis dos Pobres. Enquanto isso, essas mesmas autoridades auxiliavam os donos de fábricas que enfrentavam uma escassez de trabalhadores no norte enviando miseráveis (especialmente crianças) em massa para trabalhar em outras paróquias a termos negociados inteiramente pelas autoridades e pelo governo.
Outras medidas de estado policial incluíam restrições à liberdade de associação, como a Lei de Associações e várias supressões estatutárias a associações comunitárias — implementadas usando procedimentos administrativos que não respeitavam quaisquer garantias consuetudinárias aos acusados — e várias restrições à liberdade de expressão e de se reunir publicamente aprovadas durante as Guerras Napoleônicas.
Uma Inglaterra diferente
Se os salários subiam, como aparentemente demonstraram Clapham e Griffin, eles subiam apesar dos mecanismos interconectados e conscientemente criados, com todos os recursos disponíveis ao estado e aos empregadores, para evitar que o fizessem. Todas as melhorias nas condições de vida dos trabalhadores resultaram inteiramente se deveu ao aumento da produtividade que não era confiscado pelas classes privilegiadas. Se os trabalhadores experimentaram um aumento líquido da renda que conseguiam manter com os ganhos de produtividade, os empregadores e investidores recebiam a maior parte desses ganhos, como beneficiários da estrutura institucional em que ocorreu a Revolução Industrial. O fato de que a classe trabalhadora pôde melhorar de vida, apesar de todos os atentados contra a decência humana descritos acima, nos diz muito sobre a tenacidade e a resiliência das próprias pessoas e sobre a capacidade do espírito humano de triunfar contra a opressão. Não diz nada, porém, sobre a benevolência ou a justiça da estrutura social em que as pessoas foram obrigadas a operar.
Então, embora Griffin chame a Revolução Industrial de “amanhecer da liberdade”, ela ignora a pergunta mais óbvia: Quais foram a natureza, as causas e os efeitos do “anoitecer” da liberdade que ocorreu anteriormente e a partir do qual ocorreu a Revolução Industrial.
Imagine, por outro lado, a forma que a Revolução Industrial poderia ter tomado numa Inglaterra em que a maior parte da população rural tivesse seus direitos de propriedade definidos a faixas proporcionais dos campos abertos, sob administração das vilas, e até mesmo camponeses sem terra poderiam sobreviver em relativo conforto construindo casas em terras não-cultiváveis, extraindo seu sustento de bosques e pântanos comuns. Imagine uma Inglaterra em que os potenciais empregadores fabris tivessem que recorrer a uma população tãao independente que teriam que oferecer salários e condições de trabalho mais atraentes que as formas de autoemprego já amplamente disponíveis. Imaginem uma classe de trabalhadores capazes de se mover de paróquia em paróquia sem pedir permissão ao invés de serem leiloados pelas autoridades para donos de fábricas em um mercado equivalente ao escravo. Imagine uma classe trabalhadora capaz de se associar livremente, formar sindicatos, organizar a produção em cooperativas manufatureiras e prover recursos para greves e outras formas de auxílio mútuo — sem ser criminalizada por isso.
A sociedade resultante seria uma em que o trabalhador, não o empregador, teria a liberdade de deixar a mesa de negociação e o maior fator de limitação da atividade econômica seria a necessidade de tornar o trabalho atraente para o trabalhador — não os lucros atraentes para o capitalista.
Na história real da Revolução Industrial, como argumentou Thomas Hodgskin argumentou nos anos 1830, a principal razão por que a produção não ocorria era que a terra e o capital eram mantidos ociosos porque a taxa de retorno não satisfazia as classes proprietárias que os haviam cercado. Em uma sociedade em que as classes trabalhadores tivessem mantido a propriedade da maior parte das terras e do capital e os colocado em uso por conta própria, o que determinaria a produção seria a taxa de retorno do trabalho, que teria que ser suficiente para sustentar os trabalhadores e não uma classe supérflua de rentistas. Essa seria a economia produtiva de livre mercado que teria evoluído, sem as correntes sobre a produção e os entraves aos esfoços que resultavam da expropriação e da redistribuição de renda para cima.
Essa, sim, seria uma economia e sociedade genuína de livre mercado — e não o monstruoso totalitarismo pesquisado por Griffin. É difícil encontrar ambientes mais opostos do que a Inglaterra histórica e essa Inglaterra livre imaginária.
Apesar do trabalho impressionante de Griffin e sua leitura simpática de fontes primárias, no final, a história que ela conta é ofuscada por aquela que não foi contada.
Traduzido por Erick Vasconcelos.
The Center for a Stateless Society (www.c4ss.org) is a media center working to build awareness of the market anarchist alternative